A senhora do oxigénio.

Era domingo, por volta das 8 e tal da noite, talvez até mais tarde. Vinha do Hospital com o meu filho e resolvemos ir ao shopping para ele comer qualquer coisa. Precisava de qualquer coisa do supermercado, uma coisita sem importância e lá fomos os dois. No corredor dos produtos de higiene, uma senhora idosa, muito magrinha, franzina, conduzia um carro com muito esforço, aborda-me. Precisava de toalhitas mas queria das mais baratas. Obviamente que me ofereci para a ajudar não só com as toalhitas mas com tudo o que lhe restasse. O meu filho, combalido, conduzia-lhe o carrinho. Ela com uma pequena mochila com oxigénio, num esforço respiratório gigantesco, lá ia riscando a sua lista. Fui buscar aos corredores longínquos os produtos que faltavam, o café para o filho, o creme para pentear cabelos encaracolados, e mais uns artigos. Perguntei-lhe como andava num hipermercado sozinha e como se deslocaria para casa… Respondeu-me onde vivia e disse-me que ía a pé. Com a bengala, a mochila de oxigénio, e o carrinho das compras. .. Supostamente vivia com um filho que tinha ficado a dormir. Brasileira, a viver na cidade há 20 anos, deveria ter mais de 80. O filho tinha 42. Chorava de tristeza porque o filho não viera ao seu encontro como prometido. Chamava-me anjo da guarda e dizia ao meu filho a sorte que tinha por me ter.

Disse-lhe que lhe colocaria as compras no tapete, no carrinho e que obviamente a levaria a casa. Era domingo à noite, e não, eu não tinha pressa para ir ver nenhum programa na televisão e jamais a deixaria sozinha. Com mil cuidados, com uma respiração completamente esgotada, chegámos ao meu carro. O meu filho a olhar-me com aquele olhar de quem vive uma situação destas pela primeira vez..aflito, combalido por estar doente, por ter passado horas no hospital.

Explicou-me onde era a casa. Estacionei com 4 piscas onde consegui para que o trajecto que tivesse que fazer fosse mínimo…Os sacos eram pesadíssimos e o carrinho tbm.. Perguntei-lhe como fazia para ir ao médico e disse-me que ía sempre a pé. Mentalmente fiz a distância entre a casa e o centro de saúde. Exequível, mas para aquele estado, uma aflição..

Para chegar a casa havia inúmeras escadas. Obstáculos atrás de obstáculos…Havia um corredor comprido que dava para muitos apartamentos. Deixei as compras à porta de um deles. Lá dentro o filho dormia. Deu-me um abraço…

Não sei explicar como fiquei, como estava, como me aguentei sem chorar, como vivi toda aquela situação. Como podem existir situações vulneráveis destas, sem qualquer acompanhamento?! Que dor de alma…

Sei onde é a casa. Se lhe levar uns bombons sei que ficará contente, mas o que lhe quero mesmo dizer é que a levarei ao médico, às análises e ao supermercado sempre que precisar…

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