Dos portos de abrigo.

Todos nós temos um porto de abrigo. Aquele lugar onde somos mais nós, onde somos inteiros, onde nos construímos e aonde, claramente, pertencemos mais do que a qualquer outro local.

A minha terra é das mais simples que há. Nem sequer tenho estrada alcatroada junto a casa quanto mais número da porta. Na minha aldeia as ruas não tem nome, as casas não tem número e todos sabem onde cada um vive. Na minha terra as ervas daninhas parecem semeadas de tão perfeitas que são. A terra batida nem a pó me cheira porque em todo o lado tudo me cheira a casa.

Quando cruzo uma determinada extrema no percurso de centenas de kms que me leva a casa, sinto que cheguei. No céu as nuvens quase sempre desaparecem e os céus forram-se do mais lindo azul que pode haver para contrastar com o verde dos campos. Na minha terra tudo me parece perfeito. As caminhadas, os nasceres de dia, os pores de sol, até a lua e as estrelas que teimo em não conseguir fixar os nomes.

Na minha terra perco o apetite para comer porcarias porque às refeições como espargos selvagens, ovos do campo e sopas de beldroegas. Tenho areia nos pés mas não magoa nem um terço que um bago de areia da cidade provoca. Na minha terra tudo me parece perfeito. Não olho para as ripas partidas dos passadiços nem para o facto de não haver um café aberto. Estou a borrifar-me para o que está menos bem porque, inda assim, tudo me parece no lugar. Há sempre flores abertas mesmo em dias de tempestade e o rugir do mar cheira-me sempre ao som fantástico que me embalou a infância e a adolescência.

Podemos sair de onde pertencemos mas é lá que voltaremos sempre para nos reencontrarmos. Continuo a ser de lá, a pertencer àquele bocado selvagem e aparentemente abandonado. Tenho a certeza que nas alturas mais complicadas será sempre para lá que voltarei. E posso só ver a minha Mãe, que hei-de regressar sempre com aquela sensação que vivi ali os tempos mais marcantes da minha vida, e é como se tivesse estado com uma comitiva de gente, não estando.

O meu porto de abrigo é ali. E é para ali que voltarei sempre. Nos dias em baixo. E nos outros também.

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